Mudança

Nos grandes momentos todos são heróis; tem-se sempre a ideia, embora vaga, de que se está representando e que o papel se deverá desempenhar com perfeição; de outro modo não aplaude o público.

2 de fevereiro de 2011

Carta Europeia de Autonomia Local


A Carta Europeia de Autonomia Local, aprovada em 1985 pelo Conselho da Europa, considerou no seu Preâmbulo que "as autarquias locais são um dos principais fundamentos de todo o regime democrático". Considerou, ainda, no Artigo 1.º, que o "princípio da autonomia local deve ser reconhecido pela legislação interna e, tanto quanto possível, pela Constituição".

Em Portugal, as autarquias locais têm, desde 1976, dignidade constitucional. Segundo a lei fundamental, a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais, sendo estas pessoas colectivas de população e território dotadas de órgãos representativos que visam a prossecução dos interesses próprios, comuns e específicos das respectivas populações.

No continente, as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas, estas últimas ainda por instituir. Actualmente, existem, em Portugal, 308 municípios, dos quais 278 no continente e 30 nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. O País comporta ainda 4 251 freguesias, das quais, 4 047 no território continental e 204 nos territórios insulares.

Atribuições e Competências

As atribuições e competências das autarquias locais, estando associadas à satisfação das necessidades das comunidades locais, respeitam, nomeadamente, ao desenvolvimento socioeconómico, ao ordenamento do território, ao abastecimento público, ao saneamento básico, à saúde, à educação, à cultura, ao ambiente e ao desporto.

Autonomia

As autarquias locais têm pessoal, património e finanças próprios, competindo a sua gestão aos respectivos órgãos, razão pela qual a tutela do Estado sobre a gestão patrimonial e financeira dos municípios e das freguesias é meramente inspectiva e só pode ser exercida segundo as formas e nos casos previstos na lei. Deste modo, encontra-se salvaguardada a democraticidade e a autonomia do poder local.

Órgãos Executivos e Deliberativos

A legitimidade das decisões das autarquias locais decorre da eleição dos respectivos órgãos, sendo a câmara municipal e a junta de freguesia órgãos executivos e a assembleia municipal e a assembleia de freguesia órgãos deliberativos. Exceptuando a junta de freguesia, os demais órgãos referenciados são eleitos por sufrágio universal. Os municípios e as freguesias são, portanto, elementos constitutivos da democracia e da cidadania portuguesas.

Consagração Constitucional

Se em Portugal as formas de organização autárquica das comunidades locais remonta pelo menos à época medieval, a actual organização democrática das autarquias locais portuguesas é relativamente recente, tendo sido constitucionalmente consagradas em 1976. A democracia local foi inaugurada em 1977, com a realização das primeiras eleições autárquicas.

Em 1977 e 1979 foram publicados dois diplomas fundamentais para o poder local: a primeira lei das autarquias locais (1977) e a primeira lei das finanças locais (Lei n.º1/79, de 2 de Janeiro). Em 1981, foi publicada a primeira lei das associações de municípios de direito público. Em 1984, foram delimitadas as competências da administração central e da administração local em matéria de investimentos.

No quadro da repartição dos recursos públicos, as autarquias locais dispõem de receitas próprias, beneficiando ainda de receitas provenientes dos impostos do Estado. As transferências financeiras do Estado para os municípios e para as freguesias, no âmbito do Fundo Geral Municipal (FGM), do Fundo de Coesão Municipal (FCM) e do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), são processadas pela Direcção-Geral das Autarquias Locais.

Financiamento Excepcional

Não sendo permitidas quaisquer formas de subsídios ou comparticipações financeiras aos municípios e às freguesias por parte do Estado, podem excepcionalmente ser inscritas no seu Orçamento, por ministério, verbas destinadas ao financiamento de projectos das autarquias locais de grande relevância para o desenvolvimento regional e local, no âmbito da cooperação técnica e financeira.

Transferência de Atribuições e Competências

A reforma democrática do Estado e a descentralização da Administração Pública não deixarão de passar pelo reforço da administração local autárquica. Neste sentido, foi estabelecido, em 1999, o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, nomeadamente nos domínios do planeamento, da gestão, do investimento e do licenciamento.

A par dos municípios e das freguesias, a administração autárquica portuguesa integra outras formas de organização indispensáveis à prossecução do desenvolvimento local: as associações de municípios, as áreas metropolitanas, os serviços municipalizados e as empresas municipais e intermunicipais.
Associações de Municípios
As associações de municípios são pessoas colectivas de direito público criadas por dois ou mais municípios para a realização de interesses específicos comuns. Existem actualmente, no continente, x associações, criadas com finalidades muito diversificadas, nas quais se destacam a cultura, o saneamento básico, o desenvolvimento socioeconómico, o ambiente e a qualidade de vida.

Áreas Metropolitanas

As áreas metropolitanas são pessoas colectivas de direito público de âmbito territorial e visam a prossecução de interesses próprios das populações da área dos municípios integrantes. As suas atribuições respeitam particularmente à articulação de investimentos e de serviços municipais de âmbito supra municipal e à articulação da actividade dos municípios e do Estado em diversos domínios. Actualmente encontram-se instituídas em concreto as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais

Os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podem criar empresas de âmbito municipal, intermunicipal e regional, dotadas de capitais próprios, para exploração de actividades que prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objecto se contenha no âmbito das respectivas atribuições. Estas empresas podem ser públicas, de capitais públicos e, ainda, de capitais maioritariamente públicos.

A Direcção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) é um serviço central do Estado, dependente do Ministério das Cidades,   Ordenamento do Território e Ambiente, em geral, e do Secretário de Estado da Administração Local, em particular, sendo responsável pela concepção, execução e coordenação de medidas de apoio à administração local autárquica, conformes às orientações dimanadas do Governo e da Assembleia da República.

Estrutura Orgânica da DGAL

A estrutura orgânica da DGAL compreende os seguintes serviços operativos: Direcção de Serviços de Modernização e Dinamização Autárquica, Direcção de Serviços de Finanças Autárquicas, Direcção de Serviços para a Cooperação Técnica e Financeira, Direcção de Serviços Jurídicos e Direcção de Serviços de Administração Geral. Esta Direcção-Geral dispõe ainda dos seguintes serviços de apoio: Divisão de Planeamento e de Auditoria Interna e Centro de Documentação.

Cooperação Institucional

No exercício das suas funções a DGAL coopera com as comissões de coordenação regional (CCR), acompanhando ainda as actividades desenvolvidas pelos serviços e organismos da administração central com incidência na administração local autárquica, nomeadamente o Centro de Estudos e Formação Autárquica, a Direcção-Geral do Desenvolvimento Regional, a Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, a Direcção-Geral da Administração Pública e o Secretariado para a Modernização Administrativa.

Desafios do Século XXI

Numa era dominada simultaneamente pelos princípios da subsidiariedade e da globalização, o desenvolvimento das sociedades e dos territórios requer a existência de organizações autárquicas cada vez mais eficazes e eficientes, prestadoras de serviços qualificados, capazes de responder adequadamente às exigências e expectativas dos cidadãos do século XXI.



31 de janeiro de 2011

Tudo o Que Você Devia Saber Sobre as Eleições Mas Não Sabe


Vem o post e o título a propósito daquilo que falhou nas últimas eleições. Versão TL;DR: não foi o Cartão de Cidadão, foi você que não se informou e foi o Estado que não o informou.

Dito isto, tendo estado envolvido de 2005 a 2008 em 5 processos eleitorais e tendo tido a oportunidade de conhecer uma parte do processo (que não todo), vale a pena explicar como se processam umas eleições do ponto de vista operacional. Talvez assim fique claro para o cidadão e alguns jornalistas e comentadores ignorantes (estou a olhar para si prof. Marcelo Rebelo de Sousa) onde é que o problema radica.
Vamos lá então…
No dia das eleições o eleitor desloca-se à sua mesa de voto, normalmente instalada numa junta de freguesia ou numa escola, identifica-se (mais sobre isto adiante), vota e vai à Igreja, vota e vai almoçar um cozido à portuguesa (o do Tico Tico em Lisboa é porreiro), ou então vota à tarde e vai fazer o passeio dos tristes: dantes era a Costa, Sesimbra, Cascais, Sintra, etc. hoje em dia é o centro comercial mais próximo. É depois disto que começa a parte operacional.
Fechada a mesa de voto, são contados os votos em cada uma das mesas. Todo este processo é organizado pelas autarquias e pelo Ministério da Administração Interna, através da Direcção Geral da Administração Interna, em particular a Direcção de Serviços de Apoio ao Recenseamento e Processo Eleitoral(antigo STAPE, Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral).
Os votos são então levados para o Governo Civil mais próximo, para que os resultados sejam compilados e comunicados eletronicamente ao sistema informático de divulgação de resultados, suportado pelo Ministério da Justiçanomeadamente pelo Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça. É neste passo que às vezes há algumas situações caricatas, nomeadamente com algumas pessoas das juntas de freguesia que vão festejar a vitória mais cedo a beber copos num bar qualquer e depois tem de ir lá a GNR buscá-los para entregarem os ditos votos no Governo Civil.
Tendo em conta o que aconteceu nas eleições autárquicas de 2005 e nestas eleições presidenciais, convirá esclarecer algumas coisas:
1) os resultados no dia das eleições são resultados provisórios, sendo os resultados finais contados e confirmados mais tarde pelo Tribunal Constitucional(amanhã é a contagem para os resultados finais destas últimas eleições);
2) o sistema que recebe e compila os resultados é completamente independente do sistema que divulga os resultados; em 2005 a falha deste último durante cerca de 45 minutos nunca pôs em causa o primeiro que é o verdadeiramente importante;
3) estes dois sistemas são independentes do site do MAI/DGAI/DSARP/STAPE, do site de informações sobre o recenseamento e do site da Comissão Nacional de Eleições(CNE). Todos estes sites também são independentes uns dos outros e não têm nada a ver com o processo eleitoral. Muita boa gente acede a um deles, não consegue aceder, e “ai jesus” que as eleições não estão a funcionar. O que é uma burrice decorrente de não se informarem, de não serem informados, e de os Portugueses terem um vício de procurar coisas que correm mal e acharem culpados. Nada como um bocadinho de sangue para animar um dia que, no geral, é uma chatice. Foi o site site de informações sobre o recenseamento que teve problemas durante estas eleições (mais adiante);
4)  o que faz a CNE? Basicamente nada, em termos operacionais. É um orgão fiscalizador que faz parte da Assembleia da República. Quando as coisas correm bem ninguém lhes liga; quando correm mal são os primeiros a falar na televisão a dizer que não têm nada a ver com o assunto;
E pronto a coisa está feita. Ou então não…
Vamos voltar atrás: o eleitor identifica-se como? À partida deveria bastar o Bilhete de Identidade, hoje em dia o Cartão de Cidadão (note-se o “de” e não “do” ou “da”; politiquices…). O BI/CC (e não CU como dá jeito a alguma imprensa publicar; em Portugal também somos todos uns cómicos e folgazões que gostam da rambóia) tem um número único, uma assinatura e uma foto. Tá feito, identifica o artista que quer votar.
O problema é que, devido a questões históricas e operacionais, o BI (não o CC) não é suficiente. Não é suficiente porque não tem (não tinha) a morada/residência do eleitor. Não se pode (podia) portanto identificar o eleitor pelo BI: não dava para saber se ele (ela pronto) podia votar naquela freguesia e mesa de voto. Daí que se tenha inventado o belo do número de eleitor e o belo do cartão de eleitor (altamente falsificável diga-se de passagem, mas isso agora não interessa nada).
Então e agora, mesmo com o número de eleitor, como é que a mesa sabe que aquele eleitor, com aquele número de eleitor, pode votar naquela mesa? Entram em cena outra invenção “brilhante”, os cadernos eleitorais, resmas de papel impressas com as listas de eleitores afectos a cada freguesia/mesa. E aqui começa o problema: impressas em papel.
Primeiro problema: não dá para um eleitor votar fora da mesa de voto onde está registado. Não dá para mandar as lista nacional de cadernos eleitorais para todas as mesas de voto, cada uma recebe a sua. O eleitor, se está de férias no Algarve, ou vai até Fornos de Algodres para votar ou então chapéu. Se mudou de residência (outro problema), não pode votar onde agora mora.
Segundo problema: o artolas do eleitor, se mudou de residência, devia comunicar à nova junta de freguesia que agora é morador e informar o seu número de eleitor. Pois é, muita gente não faz isto. Eu moro há dez anos na Rua da Penha de França e ainda vou votar a Carnide. E a Cristina ainda vai votar a Benfica, umas vezes à Escola Pedro de Santarém outras à Escola Quinta de Marrocos (mais um problema). Somos portanto uns artolas.
Terceiro problema: então mas a junta de freguesia antiga não devia dar baixa do eleitor? Devia. Só que não sabe porque o eleitor se está basicamente a cagar e não comunica a baixa. Para além disso a junta de freguesia também se está a cagar porque quanto mais eleitores tiver registados mais subsídios recebe. Ah pois é.
Quarto problema: se um eleitor comunica à junta de freguesia onde agora mora que é eleitor mas se esquece de comunicar à sua junta de freguesia original que se foi embora, há agora um eleitor que vale por dois. No limite pode ir votar às duas secções de voto. Tão a ver porque é que existem mais eleitores do que a população portuguesa?
Quinto problema: o eleitor nunca sabe onde vai votar. Umas vezes é na escola, outras vezes na junta de freguesia, outras vezes no quartel dos bombeiros. Antes de ir votar, o eleitor deveria consultar os editais (deves…) para saber em que local vota. Na verdade não o faz. Vai directo ao sítio onde votou da última vez. Depois às vezes lixa-se porque tem de ir para a fila noutro sítio. E chateia-se porque o País é uma vergonha e é do terceiro mundo.
Estão aqui a ver a cena? Desde sempre que é necessário consultar os cadernos e os editais. De antemão. Só que ninguém o faz: deixa tudo para a última e consulta lá no estaminé onde vota. O processo e os problemas que aconteceram nestas eleições já existiam antes, só que em menor escala.
Os eleitores, como de costume, deixaram tudo para a última. Não consultaram os cadernos eleitorais, em papel, por telefone, por SMS ou online. É certo que, pelos vistos, o Estado também não os informou (problemas de orçamento?), como fez em eleições anteriores. No dia, da mesma forma que anteriormente se acotovelavam eleitores no dia das eleições para ver os cadernos e em que secção votavam, acotovelaram-se desta vez nos SMS, no telefone e no site. Conclusão: o site foi à vida.
É a vida… Os eleitores não sabem, não querem saber, o Estado não explica, ah e tal, e eu gosto de trabalhar sim senhor, mas não os vejo a fazer nada.
Estes problemas todos, resolvem-se? Resolvem. Com o Cartão de Cidadão e com a informatização dos cadernos eleitorais.
É que o Cartão de Cidadão identifica de forma única o eleitor e contém a morada actual do mesmo. E quando há uma mudança (nas Finanças, na Segurança Social, etc) ficam logo todos os serviços a saber da nova morada. Nomeadamente o MAI, para alterar o local de voto respectivo. Acresce que, desta forma, pode o eleitor passar a votar em qualquer mesa de voto. O CC é usado para verificar a identidade e a residência e, depois de feito o voto (em papel, que isso do voto electrónico é uma parolice) o leitor votou e já não vota em mais lado nenhum. Só que há malta que não gosta. Há eleitores que gostam de ir votar ao cú de Judas. Há eleitores que têm uma ou mais moradas e não querem que lhas mudem. Há autarquias que lhes dá jeito manter o número de eleitores não se vão perder os subsídios. E há partidos que também não lhes fica em caminho, porque podia acontecer deixar de ter a mesma base eleitoral inflacionada que permite ganhar mais uns vereadores e tal.
Estes problemas estão resolvidos: o Cartão de Cidadão funciona perfeitamente e os cadernos eleitorais informatizados também. Qual é o problema então? O problema é que numa fase transitória, há quem ainda não tenha mudado para o CC e continue a ter BI e cartão de eleitor. Há quem se recuse a mudar. Portanto continua a ser necessário mapear BIs em cartões de eleitor e vice versa. Portanto continua a ser necessário, como dantes, que o eleitor se informe do local onde deve votar. Seja porque tem o BI e o cartão de eleitor ou seja porque tem o CC e foi feita a mudança de residência automaticamente (“tá mal, acabaram com a burocracia e tal, e eu agora já não posso ter teorias da conspiração sobre falcatruas nas mesas de voto com eleitores mortos e o camandro”). É preciso consultar um site, fazer um telefonema ou mandar um SMS. Mas isso é muito chato. Vai-se no dia e depois logo se vê.
Conclusão: o problema das eleições deveu-se ao eleitor e ao Estado. O eleitor não se informa. Julga que só tem direitos. Deveres népia. E o Estado também não informa. Custa dinheiro e não dá jeito. A componente tecnológica foi obviamente uma parte do problema e que podia ter sido precavida. Mas foi a parte menor do problema. A parte principal foram as deficiências no exercicio da cidadania e as deficiências de comunicação do poder estatal. Se os processos têm problemas e não são alterados, não há muito que a tecnologia possa fazer. Basicamente apenas vai replicar processos deficientes e multiplicar por 10x as suas consequências.

24 de janeiro de 2011

Directora processada após revelar corrupção


Responsável do IPO/Lisboa denunciou suspeitas à volta de um concurso de compra de equipamentos. Acabou com um processo disciplinar. MP está a investigar o caso.
Uma directora de serviço do Instituto Português de Oncologia de Lisboa, que denunciou suspeitas à volta de um concurso para a compra de equipamentos, acabou "premiada" com um processo disciplinar. Este é o último capítulo de um caso que começou em 2004 e que já está a ser investigado pelo Ministério Público. Em causa está uma triangulação entre o IPO/Lisboa e duas empresas, a Medical Consult e a Varian, a fornecedora do equipamento.
O processo começou em 2004 com a abertura de um concurso para aquisição de dois equipamento para o tratamento de doentes com cancro. Um em IMRT (Intensity-Modulated Radiation Therapy) com a valência de radiocirurgia. O concurso, no valor de quatro milhões de euros, foi ganho pela empresa Varian. Porém, segundo informações recolhidas pelo DN, após a adjudicação àquela empresa, a administração do IPO decidiu retirar a valência da radiocirurgia dos requisitos para o concurso.
Uma das suspeitas prende-se com as ligações entre a empresa vencedora do concurso, a Varian, e a Medical Consult, uma empresa de prestação de serviços, e um técnico do IPO, Paulo Ferreira. Este técnico integrou o júri do concurso para a aquisição de equipamento, sendo, ao mesmo tempo, sócio na empresa Medical Consult. Ora esta empresa, ao que o DN apurou, prestava serviços de formação profissional na área da radioprotecção à Varian.
As ligações de quadros do IPO à Medical Consult passam ainda por Miguel Teixeira, ex-quadro do Instituto, actualmente administrador da empresa. O seu pai, Vivaldo Teixeira, é o presidente do conselho da administração.
A aquisição do equipamento pelo IPO implicava a construção de um bunker para a sua instalação. Mas, durante o processo, foi detectado um problema de falta de segurança. Como técnico do IPO, Paulo Ferreira assinou um parecer em que minimizava esses impactos de segurança. Porém, uma segunda opinião pedida a uma especialista em física defendia precisamente o contrário.
Apesar de a aquisição ter sido feita em 2005, apenas um dos equipamentos está a funcionar e o IPO/Lisboa continua sem um serviço de radiocirurgia, encaminhando os doentes para o privado.
O DN enviou, na passada quarta- -feira, perguntas para o IPO/Lisboa e para a Medical Consult. Não obteve resposta. O Ministério da Saúde recusou pronunciar-se sobre o caso, afirmando que está em investigação no Ministério Público. Apenas o técnico de Física, Paulo Ferreira, respondeu ao DN. Confirmou que foi gerente da Medical Consult entre 30 de Agosto de 2004 e Janeiro de 2007, mas garantiu desconhecer se a empresa "prestava, e que serviços prestava, à Varian, visto que não tinha qualquer contacto ou ligação com a gestão da sociedade". Paulo Ferreira disse ainda que, "no concurso não era concorrente a empresa Medical Consult". Por isso, na sua opinião, "não existia qualquer conflito de interesses".
O mesmo não pensou uma directora de serviços do IPO, que acabou por apresentar uma denúncia ao Conselho de Administração, levando à instauração de um processo disciplinar a Paulo Ferreira, que tinha como principal alvo as questões de segurança radiológica no bunker onde foi instalado o equipamento e a intervenção de Paulo Ferreira no concurso para a aquisição do equipamento. O técnico acabou, este ano, suspenso por 210 dias. Mas já apresentou recurso da decisão.
Já a directora que denunciou as suspeitas também acabou com um processo disciplinar. Alegadamente porque, após a condenação de Paulo Ferreira, permitiu a sua entrada nas instalações do IPO. O Instituto alegou ignorância das regras da administração.

DN

21 de janeiro de 2011

Coelho chama a Sócrates «chefe dos ladrões


O candidato presidencial José Manuel Coelho acusou ontem José Sócrates de ser o «chefe dos ladrões» em Portugal.

«Os madeirenses, e os portugueses em geral, têm de correr com essa gente do poder, com essa canalha», disse Coelho, num comício na baixa do Funchal onde disparou contra Cavaco Silva, que «domina os tribunais», e Manuel Alegre, que recebe o apoio do «chefe dos ladrões».

Coelho previu, por outro lado, que o Bloco de Esquerda «desapareça» na política madeirense depois de ter dado apoio a Alegre ao lado do PS. E criticou as sondagens que o colocam em último ou penúltimo lugar, dizendo, pelo contrário, acreditar que irá passar à segunda volta.
 
JM

20 de janeiro de 2011

Uma corja de bandidos



Na Aldeia da Coelha, Cavaco Silva tem por vizinhos Oliveira Costa e Fernando Fantasia, homens-fortes da SLN. Um loteamento que nasceu à sombra de muitas empresas e off-shores. A escritura do lote do Presidente da República não se encontra no Registo Predial de Albufeira. O próprio não se recorda em que cartório a assinou. Um dos promotores da urbanização, velho amigo e colaborador de Cavaco, diz que a propriedade foi adquirida "através de um permuta com um construtor civil".
Depois de uma ação de campanha em Loulé, na passada quinta-feira, 6, Aníbal Cavaco Silva, 71 anos, aproveitou a proximidade para descansar, de noite, na sua casa da Gaivota Azul, em Albufeira. A azáfama da chegada captou a atenção de alguns vizinhos. É sempre assim quando ali "chega o Presidente".
Vista da rua, a casa de férias da família Cavaco Silva não revela muito. Foi construída (o projeto é do arquiteto Olavo Dias) para preservar a intimidade. Uma parede alta serve de contraforte, e esconde os três pisos com seis quartos (cinco são duplos) e seis casas de banho, a piscina e mais de 1 600 metros quadrados de área descoberta. A rua é, ela própria, interdita a quem não seja morador, nem "pessoal autorizado". Ao lado da propriedade há uma guarita da GNR, com um guarda em permanência.
Cavaco Silva e a família usam a casa desde o verão de 1999. Mas isto é quase tudo o que se sabe, ao certo, sobre a mudança da célebre vivenda Mariani, em plena confusão de Montechoro, para o lote 18 da Urbanização da Aldeia da Coelha, um seleto bairro de apenas 20 lotes. O registo entregue por Cavaco no Tribunal Constitucional refere a propriedade e identifica a sua matriz (18173). Mas a matriz não consta nem dos registos da Conservatória do Registo Predial de Albufeira, nem do cartório notarial (recentemente privatizado) daquela sede de concelho algarvio.
Torna-se, assim, impossível consultar a escritura pública da aquisição daquele lote. Contactado pela VISÃO, o staff do Presidente da República começou por aconselhar-nos uma consulta aos registos prediais de Albufeira. Já o fizeramos.
Depois de alguma insistência veio a resposta: Cavaco "não se recorda", responde fonte oficial à VISÃO, da data ou local onde a escritura foi celebrada. Terá sido antes de 1999, uma vez que Cavaco adquiriu apenas o lote de terreno, tendo construído a casa posteriormente.
O único interveniente deste processo que se recorda da transação é o amigo de infância, e ex-adjunto de Cavaco, quando este era primeiro-ministro, Teófilo Carapeto Dias: "A casa foi adquirida através de uma permuta de terrenos com um construtor civil." Mas Carapeto Dias não sabe quem é o referido vendedor. E Cavaco Silva, de novo perante uma pergunta da VISÃO, optou por não confirmar, nem desmentir, esta informação.
A razão para a boa memória de Carapeto Dias é fácil de explicar. Ele era um dos proprietários, ainda que de forma indireta, dos terrenos da Coelha. Essa história será contada adiante.
O COMEÇO: 'OFFSHORES' DE GIBRALTAR
Por agora, convém afastarmo-nos da casa Gaivota Azul e percorrer as três ruas da urbanização.
Ali, a dois passos, fica o lote 15, a casa de Fernando Fantasia, administrador de empresas do universo da Sociedade Lusa de Negócios, como a Pluriholidays e a Opi 92. O lote 14 é do próprio Teófilo Carapeto Dias. O 12, em frente, pertence à Refi, uma empresa de António Cardoso Alves, advogado, sócio de Carapeto. O lote 8, já na rua perpendicular, está registado em nome de Maria Yolanda Oliveira Costa, a ex-mulher do criador do BPN.
Convém, agora, explicar esta coincidência de tantos conhecidos em duas ruas de um aldeamento em Albufeira.
Em 1993, enquanto ainda trabalhava como assessor administrativo no gabinete de Cavaco, em São Bento, Carapeto Dias adquiriu, com outros sócios, duas sociedades offshore que controlavam a Galvana Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda, empresa que promovia a Urbanização da Coelha. Os offshores chamavam-se Griffin Enterprises Limited e Longin Limited e tinham sede no paraíso fiscal de Gibraltar, Reino Unido.
O loteamento já estava em curso, promovido por dois cidadãos dinamarqueses, que trabalhavam para uma empresa de Copenhaga que viria a abrir falência, a Handelsselskabet Danmark. Eram eles Ejler Schmidt (entretanto falecido) e Jens Peter Jepsen (paradeiro desconhecido). Mas o investimento dos dinamarqueses estava num beco sem saída, com dívidas várias e uma ameaça de penhora das Finanças. Aí surgiu uma sociedade, o Grupo Fonseca, de portugueses, que resolveu o imbróglio.
Como? Ficando com os terrenos (alguns já em fase adiantada de construção) em troca da salvaguarda de consequências criminais para Schmidt e Jepsen.
O Grupo Fonseca não era uma sociedade registada, com escritura, sendo antes aquilo a que um advogado chama de "sociedade irregular". Entre os seus membros estava Carapeto Dias. Cardoso Alves, mandatado pelo grupo, foi à Dinamarca negociar com os credores da empresa falida, o banco Baltica, russo.
Voltou com a posse das offshores que controlavam a Galvana.
Em Portugal, os dinamarqueses (que tinham subtraído dois lotes para si) assinaram uma procuração irrevogável, dando plenos poderes a António Olímpio Albuquerque, do Grupo Fonseca, para agir em seu nome.
Albuquerque, mandatado, negociou a venda dos lotes 14 e 12 a Teófilo Carapeto Dias e à Refi, de Cardoso Alves, por 20 mil contos (100 mil euros), em 1993. Foram estes os primeiros compradores, ainda que, simultaneamente, donos das offshores que controlavam todos os lotes.
Os dois dinamarqueses não gostaram.
Processaram o seu procurador por burla e abuso de confiança. Os processos 151/95 e 135/95 do 1.° e 2.° Juízo, respetivamente, do Tribunal de Loulé, detalham esta história.
De recurso em recurso, os dinamarqueses perderam todas as ações até ao Supremo Tribunal de Justiça. Não havia dúvidas, para a justiça portuguesa, de que estes tinham assinado uma procuração que tornara legal a venda dos dois lotes.
O MEIO: EM NOME DAS FILHAS
Nasceu torta, a urbanização da Coelha.
Mas foi-se endireitando, com alguns ilustres moradores. Teófilo Carapeto Dias admite que fez convites a potenciais interessados. A sua agenda de contactos é bastante rica. Teófilo é o mais antigo amigo pessoal de Cavaco Silva.
Foi parceiro de brincadeiras infantis em Boliqueime (terra natal de ambos), de namoros adolescentes na praia dos Olhos de Água, e da seriedade adulta do Palácio de São Bento, onde era mais do que um vulgar assessor. Mandava mais que os ministros, dizem relatos da época.
Era ele quem conhecia, melhor do que ninguém, os humores do chefe do Executivo. "Há dias", escrevia a VISÃO, em 8 de julho de 1993, "um ministro mais brincalhão aproximou-se de Carapeto Dias e perguntou-lhe: 'O que acha se eu contar ao primeiro-ministro aquela anedota sobre o castigo que o São Pedro deu a Madonna, condenando-a a aturar Cavaco Silva no céu?' Resposta do assessor: 'Já lha contei eu.'" Foi esta relação "tu cá tu lá" com Cavaco que esteve na origem do convite que lhe fez para adquirir um dos lotes da Coelha.
"Na altura", lembra Carapeto, "ele não era primeiro-ministro, nem candidato a nada". De facto, o atual Presidente deixara São Bento, em outubro de 1995, e perdera as presidenciais, para Jorge Sampaio, em janeiro de 1996.
Foi, assim, numa fase de afastamento da vida pública que Cavaco adquiriu, alegadamente através de uma permuta de propriedades, o lote 18. Aí mandou construir a Casa da Gaivota Azul, assim chamada porque uma amiga oferecera a Maria Cavaco Silva, que o colocou à entrada da casa, um azulejo de Júlio Pomar onde figura uma gaivota com asas azuis.
Cavaco estava tão afastado da política que fez, na nova casa, uma inusitada (para o seu feitio) festa de réveillon, em 2000.
Dois anos depois, em dezembro de 2002, o lote 8 era comprado por José Oliveira Costa. Segundo a investigação judicial ao BPN, o banqueiro terá pago a casa com verbas do próprio banco (via Banco Insular de Cabo Verde, um "veículo financeiro" por onde circulavam operações fictícias). Ou seja, sem gastar nada de seu. Mais: terá declarado a compra, na escritura, por 150 mil euros, mas terá pago à anterior proprietária (entretanto falecida), 362 500 euros, poupando cerca de 15 mil euros de sisa.
Mais tarde, já durante o escândalo público que envolveu o banco, em 25 de março de 2008, Oliveira Costa passou para a sua mulher, Maria Yolanda, a titularidade do lote, no processo de "partilha subsequente à separação de pessoas e bens".
A casa está abandonada, e fechada desde então. Os vizinhos garantem que só voltaram a ver, muitas vezes, Oliveira Costa "na televisão". Esta não foi a única transmissão de propriedade na Coelha. Teófilo Carapeto Dias, que comprou o lote em 1992, passou, em dezembro do ano passado, a propriedade para a sua filha, celebrando simultaneamente com ela um contrato de "usufruto vitalício".
O mesmo fez Fernando Fantasia. Com uma diferença. A filha comprou à empresa OPI 92 (que era detida pelo pai e pela SLN), em dezembro de 2007, o lote 15. No mesmo dia, o pai contratualizou o "usufruto vitalício" com a filha. Por 20 mil euros, segundo a escritura. Fantasia, recorde-se, era o acionista das empresas Opi 92 e Pluripart, ambas em sociedade com a SLN, que adquiriram os terrenos da herdade de Rio Frio, Alcochete. Uma aquisição concluída poucos dias antes do anúncio da localização, nas imediações, do futuro aeroporto de Lisboa. O gestor foi chamado a uma Comissão de Inquérito Parlamentar sobre o caso e classificou como "insinuações" a acusação de que teria tido acesso a informação privilegiada sobre a nova localização do aeroporto (antes previsto para a Ota). Entre os defensores de Alcochete estavam vários empresários e dirigentes do PSD.
O FIM: DE 100 A 750 MIL EUROS
Sem contar com a compra de Cavaco Silva, cujo valor se desconhece, por não se saber o paradeiro da escritura, os lotes da Aldeia da Coelha variaram muito de preço.
Para áreas semelhantes, há desde casas compradas por 100 mil euros (Teófilo Carapeto Dias e Cardoso Alves, em 1992) até à casa de Eduardo Catroga (que não faz parte do loteamento inicial, mas confina com a de Cavaco) por 750 mil euros.
Catroga, ex-ministro das Finanças de Cavaco, e o negociador do PSD para o último Orçamento do Estado, comprou a sua casa em 2003, ao alemão Adolf Potshke.
Meses antes, Oliveira Costa comprara a sua por menos de metade: 362 500 euros.
A discrepância é ainda mais evidente na avaliação patrimonial que as Finanças fazem das propriedades. A de Catroga vale 52.322 euros. A de Oliveira Costa vale 158.690. A de Cavaco Silva está avaliada em 199.469 euros. A de Fernando Fantasia (que não tem piscina) em 307 440 euros.
Teófilo Carapeto Dias ainda guarda as plantas do seu empreendimento.
Na conversa com a VISÃO, ao telefone, apresta-se a verificar as áreas, ao detalhe.
Interrompemo-lo, quando lia Fernando Pessoa, sentado na casa da Aldeia da Coelha, onde reside. Dispõe-se a falar, ainda que tenha um juízo sobre as perguntas que lhe fazemos. "O objetivo destas coisas é emporcalhar o Cavaco", diz, agastado com tantas notícias sobre o BPN.
A campanha eleitoral está a ser marcada pelo assunto. Na última vez que por ali passou, na noite de quinta-feira passada, depois de uma ação em Loulé, talvez Cavaco tenha reparado na porta enferrujada do número 8, a casa que pertenceu a Oliveira Costa.